Reflexões sobre a dor

 

Agradeço a todas as almas humanas referidas e outras por ventura não lembradas que me ajudaram a fazer estas reflexões!

 

A dor tem uma função fundamental de equilíbrio na economia da vida e como tal não pode ser eliminada. (1)

Para a vida humana não existem soluções definitivas; os problemas pessoais sempre indicam obstáculos ao crescimento e ao desenvolvimento e quando estes são ultrapassados surgem novas questões que exigem novas e criativas soluções.

As reflexões sobre um assunto tão polêmico e também tão essencial à vida e à evolução pede uma posição aberta e sem preconceitos para podermos atingir a amplitude da questão. Conceitos tão comuns na prática terapêutica como vida, alma, doença, dor, sofrimento, auto-imagem, amor e sentido da existência necessitam ser abordados.

A dor nos mostra sempre que um dano foi causado e que sua existência pede por reparação. (2)

Num sentido mais amplo poderíamos afirmar que a dor nos mostra que um dano foi causado ao corpo ou à alma e que sua existência pede por reparação do corpo ou pelo reconhecimento da alma. Podemos então dizer que existe uma dor física e uma dor da alma. Em nosso corpo, a dor física é referida normalmente como sensações advindas da pele e dos músculos superficiais, sendo geralmente bem definidas e localizadas. A dor da alma é profunda, indefinida e normalmente ligada às sensações viscerais.

Nos primórdios da cultura ocidental as dores do corpo e da alma eram objetos da medicina, mas em seu desenvolvimento esta passou a ocupar-se das dores físicas enquanto as da alma passaram para o campo da filosofia ou da religião. Atualmente a situação não é muito diferente, exceto pelo fato de que o que antes era visto pela filosofia e pela religião passou para a psicologia e para esta a alma perdeu seu sentido original.

A ciência ocidental lutou com todas as armas na busca da supressão da dor física. Temos uma cultura imediatista onde uma dor de cabeça nos leva de pronto a tomar uma aspirina. Dificilmente nos perguntamos o porquê da dor. Quando os analgésicos não mais nos aliviam, buscamos rapidamente um médico para que ele nos indique a causa e nos livre da dor. Ficamos aliviados quando um diagnóstico é estabelecido e a solução é proposta na forma de medicamentos ou de atos cirúrgicos. Não estou defendendo as idéias por vezes ouvidas e lidas de que devemos suportar a dor indefinidamente. Estou cônscio da existência de dores advindas de infecções que necessitam de antibióticos, de inflamações que necessitam de anti-inflamatórios, de tumores, de malformações ou de lesões corporais ou neurológicas para as quais a medicina, após esgotar os recursos químicos, bioquímicos e outros, necessita recorrer à cirurgia. O que estou querendo abordar é a possibilidade de olharmos para a dor também do ponto de vista da alma.

Quando uma dor física nos acomete, o corpo reage com contrações musculares que nos protegem mas normalmente intensificam a própria dor. Soma-se a esta reação fisiológica o medo que sentimos quando acrescentamos crenças errôneas a respeito da própria dor, intensificando ainda mais a contração. Ao sentirmos uma dor no peito, se imaginamos estar sofrendo um enfarte, a contração se acentua e o quadro pode tornar-se dramático, um verdadeiro estado de pânico! Corremos a um pronto socorro e esperamos ser salvos da morte iminente. Nossa alma pode estar sofrendo, mas não atentamos para isto. No pronto socorro, afastada a possibilidade de um enfarte, recebemos um tranqüilizante e o diagnóstico de que estamos com stress, que devemos descansar mais, etc., etc. Ficamos entorpecidos mas tranqüilos por termos feito tudo o que era possível fazer.

 

Olhemos a questão de um ponto de vista mais amplo.

O cerne da vida é amor e o maior obstáculo a ele é o medo! O amor move nos na direção da abertura e do encontro, na direção da livre expressão da alma; o medo traz a contração e a separação, isolando a alma. Ao nos contrair no medo limitamos a vida! O ódio é a reação natural frente à paralisação do amor. Temos medo de nosso próprio ódio. A dor é a reação natural frente à paralisação da pulsação da vida e, portanto, do fechamento da alma. Tememos a dor e nos contraímos ainda mais. No entanto, o contato e a expressão responsável do ódio nos reaproxima do amor. O contato e a expressão da dor libera a pulsação da vida. As expressões do ódio e da dor caminham ambas na direção do contato com a alma. A dor da alma que não é vivida e expressa torna-se uma dor física ou se transforma num sofrimento!

É importante cuidarmos da dor física para que a contração e o medo não intensifiquem ainda mais a paralisação, o que acabaria por levar-nos à depressão, porém não devemos parar aí, mas buscar a dor da alma.

 

Do ponto de vista vivencial e energético podemos fazer uma distinção entre a dor e o sofrimento. A dor é uma emoção; surge como um movimento súbito que busca sua expressão no choro. Tem um auge e logo se exaure deixando uma sensação de alívio. Quanto mais nos entregamos a ela mais rápido se vai e maior é o alívio. Quando resistimos à dor a tensão permanece e passa a ser vivida como sofrimento. Este normalmente é lento, progressivo e duradouro. Pode até assemelhar-se à dor em sua expressão, mas carece do alívio, pois esconde outros sentimentos como o medo ou a raiva. Aprofundaremos mais esta questão ao falarmos do sofrimento da auto-imagem não realizada.

 

É o estado da alma que rege o metabolismo e, portanto a cura. (1)

 

A ciência nos fez acreditar que a compreensão do metabolismo vital nos livraria de todas as dores e sofrimentos. Veio então a esperança nos medicamentos e hoje, nas vésperas da leitura do genoma humano, a expectativa de construirmos o ser humano perfeito. Entretanto, recentemente os próprios cientistas afirmaram que os genes não podem explicar a existência do complexo organismo humano, afinal não temos tantos genes a mais que a drosófila melanogáster, a pequena mosca das frutas. Ainda não sabemos dizer com precisão porquê ficamos doentes! A estatística nos mostra a relação inequívoca entre o câncer de pulmão e o fumo, mas não explica o porquê que nem todos os que fumam contraem a doença.

A causa, o princípio de todas as coisas reside em seu próprio íntimo. (1)

De alguma forma condicionamos interiormente a causa última de nosso destino. Não estou sugerindo a existência de um destino prefixado no além mundo. A forma como lidamos com as forças da vida desencadeia as causas internas de nosso futuro. Isto não significa culpa e castigo no caso de doença e prêmio na saúde. O contato e a liberação da dor da alma é o caminho para a liberação das forças da vida. O seu isolamento ativa causas internas cujos efeitos sofreremos. Este é o destino que criamos para nós mesmos!

A doença é um estado de dor para proteger o organismo e promover o crescimento. A dor provocada por agente externo nos protege do perigo. A dor provocada por nós mesmos nos alerta para a estagnação e a necessidade de mudança.

 

O homem não pode pensar ou fazer nada, não importa quanto isto seja errado do ponto de vista de sua própria vida ou do insight da natureza, que não contenha em algum lugar ou de algum modo um núcleo de verdade objetiva. (3)

Desde as escritas primitivas existem referências à alma, de forma que deve corresponder a uma vivência com um núcleo objetivo. Não encontramos uma definição clara do que vem a ser a alma. É mais uma vivência que um conceito intelectual. Sabemos vivencialmente o que é a nossa alma. Temos a consciência de algo que se encontra em nosso interior, que é estritamente pessoal e que reconhecemos ao longo dos anos. Sabemos que a alma anseia por amor, pela união e pelo reconhecimento de sua pertinência ao mundo. Quando nos conectamos com essa parte interna nos sentimos íntegros, unidos e pertencentes à humanidade sem contudo perder nossa individualidade. Temos um sentido maior da existência! Sentimos amor pelas pessoas e nos sentimos unidos, pertencentes à vida. Somos sensíveis à dor da vida e buscamos protegê-la. Quando nos apartamos de nossa alma nos sentimos separados, isolados e de alguma forma entramos no sofrimento. Deixamo-nos guiar por uma identidade superficial, carregada de auto-imagens que necessitam de esforço contínuo para a sua manutenção e sua realização. Este esforço é uma luta constante da qual o sofrimento será o eterno companheiro! O sofrimento acompanha a luta para a realização da auto-imagem. Ao nos afastarmos do sentido interno da existência, buscamos outro sentido aprendido no mundo exterior. Abandonamos nossa alma! Entramos no sofrimento.

A meta do crescimento individual é o reencontro e o reconhecimento da alma! A alma anseia pelo reconhecimento!

 

Temos dois caminhos para o reencontro e o reconhecimento da alma: o amor e a dor!

O amor nos move na direção de nos conhecer e de nos mostrar a outro ser. Quando amamos passamos horas falando ou ouvindo o ser amado; ao nos expormos mostramos a nossa alma e somos reconhecidos pelo ser amado. Ouvindo, reconhecemos a alma da pessoa amada. Entretanto o amor e a dor estão muito próximos, pois ambos pertencem à alma e o contato com um, normalmente ativa o contato com o outro. Este é um dos motivos pelos quais tememos amar, pois nos levará também ao contato com nossa própria dor. Tememos amar por temermos sofrer e normalmente justificamos este temor no abandono ou na desconsideração que possa vir do ser amado, porém a dor virá independente disto, pois ela é nossa, e é decorrente do abandono e da desconsideração que fazemos à nossa própria alma.

O segundo motivo pelo qual tememos o amor é que ao amar nos abrimos e saímos de nossa auto-imagem, nossa máscara, esta imagem que mostramos zelosamente ao mundo.

 

Amar é um ato de vontade. (4)

Não há possibilidade de amar sem o confronto com essas duas barreiras: pôr em risco a auto-imagem e sentir a própria dor! Não é possível amar sem um ato da vontade, ou seja, sem a disponibilidade para este confronto.

De onde provém a dor da alma? Provém da separação, do isolamento interno que impede a expressão de nossas qualidades individuais e universais! A união, a doação, a compaixão, o desejo de compartilhar, a criatividade, o altruísmo e a vivência de pertinência ao universo são as formas mais amplas de amor! Nossas defesas se erguem contra o medo de amar, de sentir nosso ódio e de viver nossa dor e assim levam ao isolamento interior e à organização secundária de nossa identidade superficial, nossa máscara. Esta identidade se baseia em crenças e imagens infantis com as quais estamos comprometidos e às quais deveríamos corresponder. É como uma máscara que sobrepomos à alma. Após tanto tempo buscando atender a seus ditames, passamos a acreditar que realmente somos ou deveríamos ser esta imagem. Lutamos e sofremos para atingi-la e, muitas vezes, frente à impossibilidade de alcançá-la, criamos imagens negativas de incapacidade, insuficiência ou fraqueza que resultam na manutenção da baixa auto-estima. Não tem baixa auto-estima nem imagens negativas que não ocultem auto-imagens grandiosas não realizadas. Vivemos em luta contra o que realmente somos e sofremos por não alcançar o que imaginamos ser! O sofrimento derivado da auto-imagem provém da confusão interna pela qual acreditamos que as exigências que ela nos impõe correspondem a anseios legítimos da alma e não apenas de nossa criação pessoal. Podemos ainda culpar o mundo por não nos ajudar a realizá-las. Criamos um sofrimento que nos abate e nos faz impotentes ou provocamos dor nas pessoas que nos rodeiam ao culpá-las por nossos fracassos e infelicidade. Este é o núcleo de nossa negatividade! Sofremos e fazemos sofrer num círculo vicioso interminável! Ativamos nosso ódio contido e o descarregamos aleatoriamente sem assumir responsabilidade por ele! Tornamo-nos insensíveis à dor que provocamos. Podemos sentir a dor e o sofrimento e não reconhecermos os anseios de nossa alma; este é o caminho para a depressão! A depressão que sobrevém a quem vive a dor, mas não reconhece a própria alma!

Existem sempre duas dores: a que impingimos a nós mesmos e a que impingimos aos outros. (4)

 

Vejamos melhor o círculo vicioso da dor e do sofrimento.

A dor que não é assumida pela própria pessoa é retomada como imagens negativas ou é transferida para outras pessoas ou situações. Desta forma esquivamo-nos da responsabilidade por nossa dor e passamos a culpar o mundo! Assim sofremos ou fazemos os outros sofrerem. Se retomamos as imagens negativas entramos no sofrimento, isolamos ainda mais nossa alma e nos deprimimos. Se fazemos os outros sofrerem, criamos mais dor em nossa alma pois geramos mais separação e poderemos ainda ser alvo da mágoa, ressentimento ou vingança da pessoa ferida. Além disto aumentamos a culpa inconsciente que nos levará a situações de novos sofrimentos. Mesmo numa situação de um acidente onde achamos superficialmente que não tivemos culpa alguma, se realmente nos perguntarmos como foi nossa participação, como estávamos no momento, que sentimentos tínhamos, como estávamos cuidando de nós próprios, poderemos ver melhor nossa real participação. Deveríamos olhar com mais atenção a nossa participação nos acontecimentos de nossa vida.

Pierrakos recomenda:

"Se você tem um envolvimento negativo com alguém, busque primeiro qual a sua parte. Só após compreender a sua parte e assumir a responsabilidade por ela é que pode ir para fora e ver a outra pessoa. A transferência está profundamente enraizada em nós e assim distorce a realidade. Assim criamos a dor da culpa, da indiferença, da dureza, da vítima, da vingança, do ressentimento, etc. (4)

 

Só assumindo a nossa parte poderemos romper o círculo vicioso da dor! Não há vítima inteiramente inocente nem algoz com a totalidade da culpa!

O fato de sofrermos ou não depende de como reagimos às situações. Nossa dor é nossa criação pessoal. (5)

Assim é o sofrimento advindo de nossa auto-imagem. Bem diferente é a dor da alma como também diferente é o resultado quando podemos liberá-la.

A dor e a doença ativam as forças construtivas da evolução e da saúde, e, mesmo quando aquelas sobrepujam a própria vida, podem ainda ser estímulos para o crescimento espiritual! (1*)

Observada de um ângulo mais amplo vemos que a dor, longe de ser um castigo imposto por Deus ou por forças malignas, está a serviço de inúmeras funções de equilíbrio dentro da vida, da personalidade e da evolução espiritual. Sem a invasão de microorganismos nosso sistema imunológico não seria ativado. Se fôssemos criados em ambiente de completa assepsia e depois saíssemos para o mundo, logo seríamos invadidos por microorganismos que nos destruiriam. Cada ser vivo luta com suas forças e suas defesas para se preservar. A dor é um aviso de que algum dano foi feito e precisa ser reparado! A dor nos reconecta com o corpo e nos faz olhar para dentro, para nossos sentimentos e emoções.

Só o contato com o coração refaz o contato com a alma no centro do peito. (6)

Na evitação das emoções e sentimentos é o peito a área corporal mais defendida. A dor da alma está escondida e protegida dentro do peito, guardando a frustração de nossos anseios e potenciais não desenvolvidos.

 

A dor humaniza o próprio homem! (6)

Quando abrimos o coração entramos em contato com sentimentos amorosos universais e temos consciência de nosso sentido de humanidade.

 

A dor é a emoção que mais une os seres humanos! (6)

Quando uma catástrofe se abate sobre um grupo de pessoas, a coletividade humana se condói e se prontifica a ajudar. Unimo-nos na dor e na busca da reparação do dano causado. A união promovida pela dor ultrapassa as fronteiras de povos, culturas e nações.

Só pode ser cruel quem não conhece a própria dor! (6)

O medo e a evitação da vulnerabilidade é o lado da moeda que oculta o ódio. Só a experiência da dor nos torna suaves e ternos; ao fugir da dor ficamos na dureza e na crueldade. (6)

 

Quanto mais sensível uma pessoa é à sua dor mais sensível também se mostra em relação à dor alheia. Só sentindo nossa própria dor podemos saber da intensidade da dor que provocamos! Não poderemos vencer a crueldade humana se não nos sentirmos nossa própria dor! Só através de seu reconhecimento poderemos sair do egoísmo para o altruísmo que nos leva na direção dos interesses humanos coletivos. Neste momento tornamo-nos heróis, sacrificamos nossas vidas, lutamos pela pátria, etc.

 

Ponho em risco a minha vida para salvar a minha alma. (7)

O contato e a liberação da dor reconecta a pessoa com sua alma e com o universo. Esta é a função evolutiva da dor. Frente a um risco vital, se não houver uma paralisia traumática, a vida responde com mais força e sensibilidade. A alma se expande.

Só a dor sabe descer ao âmago da alma e arrancar-lhe o grito com o qual ela reconhece a si mesma como indestrutível, tornando desnecessária qualquer defesa superficial. (1*)

Quando nos permitimos este mergulho, somos invadidos por uma paz e um sentido de harmonia interiores que sussurram mansamente na consciência: está tudo certo, fique tranqüilo! Temos a certeza da existência de uma sabedoria interior a nos guiar no caminho evolutivo.

A evolução da personalidade humana oscila entre o bem/virtude/dever e o mal/vício/culpa e a dor surge como o estabilizador dos estados de equilíbrio quando estes são violados pela liberdade do ser. A dor redime a violação! (1*)

A vida animal é guiada pelo determinismo de seus instintos. Sua evolução esta condicionada a pequenas aberturas fora dos mesmos. A vida humana também é regulada pelos instintos, porém possuímos uma faixa mais ampla onde nosso livre arbítrio pode determinar novas e criativas direções. Quando nos afastamos de nossa alma perdemos o referencial interno, nossa sabedoria inata que nos guia na direção da preservação da vida, da evolução e do aperfeiçoamento. Guiados pelo egoísmo e possuidores de uma vontade independente, com freqüência nos afastamos de nossas reais necessidades. Guiamo-nos pelas expectativas de nossa auto-imagem. Contrariamos as direções sábias da vida e desconsideramos nossa consciência interior. Aí então sobrevém a dor alertando-nos para a necessidade do reequilíbrio. Não se trata de aceitarmos a renúncia, a dor e o sofrimento como um modo de vida pois:

 

A renúncia pela renúncia cria um vazio que atrofia a alma. (1)

A conseqüência desse tipo de renúncia é a resignação que atrofia a alma e paralisa a vida, levando-nos para as doenças que degeneram o corpo e a consciência.

A insatisfação e a incompletude pertencem à alma humana. Ela aspira por contínua evolução. A satisfação completa num determinado nível conquistado prepara a insatisfação que nos moverá a outros níveis. (1*)

À primeira vista isto nos parece uma luta insana. Não há satisfação que seja completa e durável, nem alegria que seja eterna. Caminhamos de meta em meta relegando a um segundo plano o espaço já conquistado para nos aventurar em novos horizontes. Se nos mantivermos parados a inércia e a insatisfação nos inquieta e nos faz retomar o movimento. Somos animados por um contínuo anseio evolutivo e movidos por leis que desconhecemos. As leis que nos levam à auto-realização.

 

Enquanto o homem não souber realizar-se a si mesmo, a dor será parte integrante de sua vida. (1)

Se entramos na estagnação ou nos afastamos do caminho da auto-realização, geramos desequilíbrios internos que ativarão a dor a qual nos guiará para a retomada de nosso sentido pessoal da existência. Se fugimos da dor, ao longo do tempo recairemos na dor física e no sofrimento. Se perdemos o contato com nossa alma não sentiremos sua dor mas estaremos às voltas com o sofrimento da manutenção e da realização da auto-imagem, além de nos sentirmos premidos por nossa negatividade. Podemos ainda entrar na renúncia e na resignação e precipitarmos a degeneração do corpo e da consciência. Estes múltiplos caminhos poderão ser escolhas conscientes ou não, mas de qualquer forma suas conseqüências serão inevitáveis, pois se regem por leis biológicas profundas. De nada adianta nos martirizarmos com a culpa por nossas escolhas; isto só nos levará a novas contrações. O que necessitamos é buscar soluções e não nos paralisar na culpa!

A solução para a renúncia e a resignação é a entrega à luta pela vida, aceitando o trabalho que nos espera no caminho de nossa evolução. Não estou me referindo ao trabalho como um fardo ou como a busca egoísta de lucro mas ao trabalho como um dever pessoal, como uma missão de vida!

A solução para o apego à auto-imagem está em parar de culpar o mundo por nossos percalços ou de nos martirizar através de nossas imagens negativas. Mister se faz confrontar nossas crenças infantis e nossa negatividade. Só a expressão responsável do ódio nos reaproxima do amor! Nossa negatividade é de nossa responsabilidade, por mais que o mundo externo a ative. Somos responsáveis por como reagimos! Somos sempre responsáveis por aquilo que sentimos e com o destino que damos a nossos sentimentos e emoções! Para as imagens negativas é importante lembrarmos que existe sempre um torturador interno na forma de imagens grandiosas não realizadas. O rebaixamento da auto-estima se dá a partir de uma expectativa interna que não foi atingida. Não somos tão grandiosos quanto idealizamos nem tão negativos ou incapazes quanto nos martirizamos!

Para as dores físicas e as doenças temos a medicina a nos ajudar, porém não devemos parar aí, mas buscar as causas mais profundas dos descaminhos que nos sobrevém na vida. As doenças ou os limites físicos podem ainda ser fortes estímulos em nosso desenvolvimento espiritual!

 

Para a dor da alma só há uma solução:

A anulação da dor só é possível através da aceitação corajosa da própria dor. (1)

Chorar a própria dor, permitir que a tensão acumulada seja descarregada nos traz o alívio merecido, nos reconecta de novo com nossa alma e com nosso processo evolutivo.

A dor ativa a evolução e a evolução anula progressivamente a dor. (1)

Da luta com a doença sobrevém a saúde, do embate com o ódio sobrevém o amor, da ignorância a consciência, da dor o prazer da auto-realização, da contração a expansão! Assim pulsa a vida e a consciência! Assim evoluímos como indivíduos!

 

A luta, entretanto não se limita ao nosso processo individual. Não somos seres isolados, pertencemos à humanidade. Nosso processo pessoal está inserido dentro da evolução da relação amorosa, da família e da humanidade. À alma pertence o impulso para a relação, a união e a evolução também num sentido mais amplo que o individual. Não caminhamos sozinhos. Quando nascemos encontramos um processo coletivo em evolução e este nos acolheu. Sofremos com as separações, as perdas de entes queridos e as grandes perdas da humanidade. Sofremos quando alguém que amamos não caminha, não evolui. Sofremos com os desencontros familiares e com a não evolução de nossa própria família. De alguma forma também sofremos a dor da humanidade em suas catástrofes e em seus tormentos. O sábio, o artista, o gênio e o santo atenderam ao apelo evolutivo da humanidade e se moveram além dos limites de suas individualidades. Não é necessário ser santo, gênio, artista ou sábio para atendermos ao apelo da dor alheia e realizarmos nossa tarefa humanitária. Bastaria seguirmos a premissa: não seja egoísta, compartilhe sua dor e a dor alheia! Ao compartilharmos a própria dor abdicamos a nossa auto-imagem e ajudamos os outros a fazerem o mesmo e ao compartilhar a dor alheia ajudamos a criar um ambiente de receptividade e de crescimento coletivo.

 

A dor de não ter fé na vida e em Deus é a pior dor que impingimos a nós mesmos e aos outros. (4)

Um sentido maior de humanidade, de aceitação e de fraternidade que nos permita compartilhar a dor pessoal e a alheia, seja talvez o melhor antídoto na direção da proteção da vida.

 

Dr. Dimas Callegari

 


Bibliografia:

(1) Pietro Ubaldi. A Grande Síntese. Rio de Janeiro: Instituto Pietro Ubaldi. 1999. 20a Edição.

(1*) Síntese de idéias mais amplamente expostas no livro A Grande Síntese.

(2) António Damásio. O Mistério da Consciência. S. Paulo: Companhia das Letras. 1999.

(3) Wilhelm Reich. Eter, God and Devil. Orgone Institute Press: Rangeley, Maine, USA.

(4) Anotação de aula do Dr. John Pierrakos no curso de formação de CORE ENERGETICS. Brasília, DF.

(5) Extrato do livro "A Arte da Felicidade", do Dalai Lama.

(6) Anotação de aula do Professor Ruppert Teddy Lorusso M.D. para a pós-graduação do Curso de CORE ENERGETICS, Brasília, DF.

(7) Jaguars Ripped Nuy Flesr-adventure is a Risby, Bantam Books, 1987, citado em Peter Levine. O Despertar do Tigre. São Paulo: Sumus Editorial. 1999.